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quinta-feira, 4 de março de 2010

"A Carta"

“Porto Amélia, 3 de Setembro de 1949:
Caro Victor:
Desculpa só no rodapé acusar a recepção da tua carta mas estive algum tempo em Brazaville, no Congo, de onde regressei recentemente. Por incrível que pareça no meio da mato, conheci uma mulher excepcional, Corine, parisiense, por quem me apaixonei perdidamente. Estamos a pensar mudarmo-nos para Nova York. E voces, como têm passado?
Pouco te posso dizer acerca de Moamba pois neste momento encontro-me a residir em Porto Amélia, capital da Província de Cabo Delgado, situada sobre uma das maiores baías que já vi.
A província de Cabo Delgado limitada a norte pelo rio Rovuma, faz fronteira com a Tanzânia. A sul encontra-se o rio Lúrio, que a separa da província de Nampula. Tem a leste o Oceano Indico e a oeste a província de Niassa.
Os Andondes, os Angonis, mas principalmente os Maconde, fazem parte das etnias desta região. Tenho visitado regularmente a maravilhosa praia de Wimbe, a alguns minutos da cidade e do porto. As Ilhas Quirimbas, mais a norte, fazem parte de um arquipélago constituído por 32 ilhas, com magníficas praias pejadas de palmeiras ondulantes. Aqui, é frequente entre os homens, o uso do campundó, um pano comprido que lhes cai até aos pés.
Recentemente visitei a Província de Nampula. Macuana, a antiga denominação colonial e étnica desta vasta região, é maioritariamente povoada pela etnia Macua. Segundo a lenda, o xecado de Moçambique, que Vasco da Gama ali encontrou, aquando da sua chegada em 1498, terá sido fundado no século VII por Moussa e Hassani, dois notáveis expatriados de Quíloa que se acolheram a locais já habitados por comunidades muçulmanas tais como Angoche, Quelimane e a ilha de Moçambique, regiões das quais se tornaram chefes e senhores.
Documentos antigos dão-nos conta do extermínio a que os portugueses sujeitaram as comunidades muçulmanas ali residentes, tendo-se perdido grande parte da história da ilha que até finais do século XIX fora a capital do país. Antigamente, esta pequena ilha de coral, estéril devido da escassez de água e de espaço, apenas permitia a existência de alguns palmares e pequenas hortas, obrigando os seus habitantes a abastecer-se de víveres das diversas regiões vizinhas, como Madagáscar, de onde vinham milho, arroz, carne, sândalo, alguns tecidos de fabrico malgaxe e, infelizmente, escravos. De Patê importavam-se têxteis e mantimentos e de Pemba, na costa de Melinde, (onde, no século XV, se desenvolveu uma agricultura para exportação), vinham também milho, arroz e carne. Os mantimentos que chegavam à praça de Moçambique, através de carreiras anuais, podiam ser originários de locais tão remotos como Ormuz, Goa e Lisboa. Após o estabelecimento dos franceses nas ilhas Seichelles e Mascarenhas, os portugueses passaram igualmente a frequentar estes locais.
Na ilha de Moçambique, onde ainda encontrei quase intacta a cultura tradicional moçambicana, é comum as mulheres Macuas cobrirem o rosto com uma máscara extraída da raiz de muciro, que lhes confere um aspecto branco, considerado grande sinal de beleza.
Os portugueses deixaram aqui marcas indeléveis da sua passagem: a Fortaleza de S. Sebastião, datada de 1558, cujas linhas essenciais da sua construção condizem ainda com a fortaleza em tempos projectada por D. João de Castro, construída na extremidade da ilha, domina o canal de acesso ao porto interior, possuindo dois baluartes sobre a praia na parte virada à ilha. Provando ser inexpugnável em diversas ocasiões, a fortaleza terá resistido ao cerco dos holandeses em 1607-8, ao ataque dos árabes de Mascate em 1669 e 1704 e ao dos franceses nos finais do século XVII. Para colmatar a escassez de mão-de-obra qualificada na ilha teriam sido mandados vir pedreiros das praças portuguesas da Índia, muitos deles perecendo devido à sua incapacidade de adaptação ao clima. A conclusão da obra só foi possível graças à mão-de-obra não-qualificada, os escravos dos moradores da fortaleza.
Lumbo, situada a uma vintena de quilómetros da ilha é também uma zona de antiga colonização portuguesa. Entre Nacala e a ilha de Moçambique, fica Mossuril, que em 1939, foi palco de uma grande rebelião Macua.
Na opinião de alguns, o porto de Nacala não é mais que uma consequência do caminho-de-ferro concluído em 1922, ligando Nampula a Vila Cabral, no Niassa. Com inúmeros projectos de renovação financiados por Portugal, França e Itália, a vila está a tornar-se um centro importante de técnicos e cooperantes expatriados. Do ponto de vista arquitectónico, é separada em duas partes: as construções de pedra e cal da população colonial e os bairros populares, denominados de macuti.
Bem, a par das boas notícias, como a fundação do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos, feita por Eduardo Mondlane e outros do núcleo, escrevo-te para te dar conta de acontecimentos menos afortunados como os que assisti há umas semanas atrás, um lamentável incidente aqui em Porto Amélia, com um grupo de música tradicional do bairro de Alto Jingone, constituído por cantores e dançarinos que usam chocalhos nas pernas, feitos de folha e cheios de sementes, que designam por mahandja. No meio de uma actuação do grupo, a polícia apareceu repentinamente e para grande surpresa minha, prendeu um dos executantes. Dirigi-me ao resto do grupo, que aparentava grande consternação pelo sucedido. Tentei indagar sobre o que se passava. “N’kissa…”, disse-me um deles.
N´kissa, em Macua, significa esperar. Parece que já não era a primeira vez que isto sucedia. Enquanto o pobre não fosse libertado, o grupo tinha de aguardar para reiniciar as danças.
Estes actos repressivos produzem em mim uma revolta indescritível. Espero sinceramente que se faça qualquer coisa em prol deste povo, pois a sua situação é insustentável.
Despeço-me com amizade, aguardando notícias tuas.
Luís Rodrigues”

Janela by Manuela Lopes

Nossa Senhora e o Menino Jesus by Manuela Lopes

terça-feira, 2 de março de 2010

Mucuripe (Fagner)


As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vão levar as minhas mágoas
Pra águas fundas do mar
Hoje á noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar
Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo inda era flor
Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingénuo e franco
De um rapaz novo encantado
Com vinte anos de amor
Aquela estrela é dele
Vida, vento, vela leva-me daqui